REINO MARAVILHOSO - DOURO
VALE ABRAÃO
UM ROMANCE, UM FILME, UMA HISTÓRIA TENDO COMO PROTAGONISTA O DOURO
Vale Abraão parte da adaptação ao cinema da obra homónima de Agustina Bessa-Luís,
por sua vez um exercício literário inspirado na "Madame Bovary" de Flaubert,
que Manoel de Oliveira transforma num filme deslumbrante e portentoso.
De novo envolvido com o universo literário de Agustina e, sobretudo,
mais uma vez construindo uma história de amores frustrados,
tema dominante em toda a sua obra, Oliveira assina uma obra
de uma beleza plástica fulgurante, de uma espantosa sensibilidade poética e,
ao mesmo tempo, de uma subtil e ácida ironia.
Narrando de forma absolutamente irresistível a trajetória amorosa de uma bela mulher,
vítima dos seus incongruentes desejos e paixões, Vale Abraão é, sem dúvida,
o filme mais ambicioso, deslumbrante e admirável do mestre Oliveira,
onde Leonor Silveira, a sua atriz emblemática, é simplesmente portentosa,
à cabeça de um grande elenco que conta com Luís Miguel Cintra, Rui de Carvalho,
Diogo Dória e João Perry. "Vale Abraão" é um dos mais importantes filmes
de toda a História do cinema português, que muito justamente os
"Cahiérs du Cinéma" consideraram como "um dos mais belos filmes do Mundo".
Fonte:- https://www.rtp.pt/programa/tv/p4555, acessado a 10 de novembro 2019)
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Somos verdadeiro amante da obra ficcional de Agustina Bessa-Luís e da fílmica, de Manoel de Oliveira.
Logo após a morte de Manoel de Oliveira, ocorrida a 2 de abril de 2015, tínhamos como projeto a elaboração de um post sobre a sua obra, em especial «Vale Abraão», rodada em pleno coração do Douro, sendo, talvez por esta circunstância, a que mais nos toca.
Por isso, em 2016, sendo amante da fotografia, procurámos averiguar e captar os locais que serviram de cenário às diferentes «ações» deste filme.
Circunstâncias várias não permitiram que, naquela ocasião, o post fosse editado.
No ano em que faleceu (3 de junho de 2019) a autora da obra literária «Vale Abraão», obra essa encomendada por Manoel de Oliveira à sua grande amiga para o orientar no guião do filme que também levou o mesmo nome, não podíamos deixar, finalmente, de publicar esse post.
São muitos e variados os autores que falam nestas duas verdadeiras obras de arte, desde artigos, entrevistas e até dissertações académicas.
Pela nossa parte, «apegámo-nos» a dois textos, cujos excertos aqui vamos deixar à leitura e consideração crítica dos nossos(as) leitores(as).
I
As incertezas do tempo
O primeiro é de Marco Livramento - «Vale Abraão: entre as incertezas dos tempos», que saiu na revista eletrônica de crítica e teoria de literaturas - Nau Literária. Dossiê: o romance português e o mundo contemporâneo PPG-LET-UFRGS – Porto Alegre – Vol. 05 N. 02 – jul/dez 2009.
Atentemo-nos no que este autor nos diz:
“O enredo que dá forma ao filme de Manoel de Oliveira em pouco difere daquele que constitui o romance de Agustina Bessa-Luís. [O que se torna compreensível, uma vez que a obra foi «encomendada» por Manoel de Oliveira para o seu filme homónimo]. Em ambos temos uma figura feminina central, Ema, cuja evolução psicológica constitui a linha orientadora do desenrolar da ação, possuindo ela uma beleza invulgar e ao mesmo tempo ameaçadora. Sem amor, casou com Carlos Paiva, médico incompetente e viúvo tristonho. Tiveram duas (e um filho, isto no romance) filhas, Lolota e Luisona, e não foram felizes.
É em torno do casal, com especial destaque para o seu elemento feminino, ou não fosse esta a predileção tanto de Agustina como de Manoel de Oliveira, que giram as outras personagens do enredo, estabelecendo sempre uma relação antitética entre o homem e a mulher, por sinal ‘muito difíceis de harmonizar’, e que medem forças, querendo, cada um, sair daí vencedor. A Tia Augusta, as criadas, a Maria Semblano. Quase todas elas apresentam uma perversão que as corrompe e que as leva a viver uma submissão hipócrita e fingida, por vezes agressiva e desregrada, cujo exemplo poderá ser a própria Ema. Só Simona era diferente: obedecia e permanecia em silêncio.
Em redor desta constelação feminina gravitam, muitas vezes isolados, os homens: o pai, Paulino Cardeano; o próprio Carlos, um ‘pobre homem’; Pedro Dossém e Pedro Lumiares, confidentes de Ema; Fernando Osório, o grande amante; Nelson, o primeiro ‘poeta’ da ‘Bovarinha’; Fortunado, o jovem quase-mulher que foi seu amante; Caires, o mordomo que quis passar a senhor; Semblano, um homem com muitas semelhanças com Ema, no que toca ao comportamento.
Unem-se na mediocridade e no egoísmo. Passam de página para página do romance, andam para a frente e a para trás, ao sabor da intenção da autora; ou, seguindo a hierarquia temporal do passado, presente e futuro, imposta por Oliveira, ocupam o seu espaço no filme.
(…)
“Diz-nos a própria Agustina, numa entrevista dada ao jornal Público, em relação ao espaço de Vale Abraão: ‘Ele [Manoel de Oliveira] queria situá-la [Ema, a bovarinha portuguesa] no Porto, mas achei que era mais difícil. Porque na vida citadina atual é inverosímil encontrar uma figura dessas, enquanto na nossa província ainda aguentava. Hoje já não sei. Ele aceitou bem a minha sugestão’.
Se o romance se inicia com uma explicação da toponímia, o filme não é muito diferente, porém, desta feita com imagens do rio que separa as margens e as vidas: ‘É o Vale Abraão, com suas quintas e lugares de sombra que parecem acentuar a memória dum trânsito mourisco que de Granada trazia as mercadorias do Oriente (...)’, servindo de guarida a Carlos Paiva.
Associado que está à presença moçárabe na região, o vale transformar-se-ia, pela lenda, num lugar de reputação duvidosa, em parte pelo comportamento condenável de Abraão de Paiva:
No Vale Abraão, lugar dum homem chamado inutilmente à consciência do seu orgulho, da vergonha, da cólera, passavam-se coisas que pertenciam ao mundo dos sonhos, o mundo mais hipócrita que há. O patriarca Abraão tinha um costume arcaico: o de usar a beleza da mulher, Sara, como solução das suas dificuldades. Para isso intitulava-a sua irmã, o que lhe deixava caminho para o desejo dos outros homens”.
Estas são as palavras iniciais, em voz off, o narrador, com que o filme começa, enquanto, com o rio, ouvimos o som de um comboio chiando pelos carris, percorrendo a paisagem tipicamente duriense.
“O trágico que poderá vir a acontecer vai sendo sugerido ao longo do texto, para que no final não fiquemos surpreendidos com morte da heroína nem tenhamos qualquer dificuldade em lidar com a morte do próprio Carlos. Ele não sobrevivia sem uma figura feminina que o suportasse, que o ajudasse a manter-se de pé.
Note-se que poderemos até dizer que este romance de Agustina Bessa-Luís tem o seu quinhão de social, já que motivos como a incompatibilidade entre homens e mulheres, (…) e a presença de uma burguesia rural absurda e falida salpicam uma região cujas casas e grandes propriedades caem em ruínas a cada fracasso da colheita que se lhes soma.
Podemos até duvidar se cenários como este existem num Portugal coevo da publicação do livro e até do filme. Mas se dúvidas pudessem existir, é o narrador omnisciente que as vem esclarecer, opinando sobre o comportamento de Ema: ‘Dirão os leitores que uma mulher como Ema não existe. Eu direi que sim’.
Repare-se que este não é um narrador qualquer, é, sim, um narrador que cita as palavras das personagens, confundindo-as com as suas, penetra-lhes nos pensamentos, ou não fosse tão comum e frequente o uso do discurso indireto livre ou do mimetismo do discurso direto, em diálogos que ostentam um artificialismo socrático bastante evidente.
Tanto a história do romance como a do filme estão imbuídas de um erotismo sagaz e quase diabólico, que, de resto, era o que se poderia esperar de uma senhora como Ema. Para a autora do romance, as mulheres são seres muito poderosos, com quem se deve ter todo o cuidado. Essa mesma opinião, atribui-a à tia Augusta:
Tia Augusta disse que as mulheres não liam livros. Não era coisa que lhes interessasse, e isto não as diminuía em nada. Eram muito poderosas mesmo sem ler o Amadis de Gaula e o Rolando Furioso que, no entanto, amavam senhoras sem letras e sem latim nenhum.
(…)
Apesar da proteção do pai e das criadas, Ema não podia escapar ao insucesso, pois ‘uma mulher ao ser engendrada no ventre da mãe, está já marcada para o insucesso’. O casamento com Carlos Paiva não foi feliz, acabando ela por se refugiar nos braços dos amantes que lhe satisfaziam os desejos carnais e pouco mais do que isso. E era com hora marcada, qual expediente de trabalho, que ela se encontrava com os ditos. Nada de extraordinário acontecia.
Mas nesta história, tudo tem a sua razão de ser e de existir. Nada surge ao acaso. As complexas relações de causalidade entre o passado e o presente, e entre este e o futuro, apenas dão vazão ao determinismo que marca muitas das figuras do romance (em primeiro lugar) e do filme (logo depois e por consequência, digamos), com particular destaque para Ema:
‘Nada do que me possa acontecer me modifica, porque eu já esperava’. Os passos dados em falso por esta personagem haviam de lhe sair caros. Foi no Baile das Jacas que começou a deslizar pela falésia do fim, acabando afogada na água de um rio que, desde miúda, se habituou a olhar pelo binóculo, depois de outro passo em falso dado nas tábuas de um pontão que o tempo foi apodrecendo. Fatalidade? Destino? Suicídio? Talvez, tudo é possível nesta história.
Tudo gira, pois, em torno de uma mal casada (e mal-amada, por sinal) que vivia na obsessão de alcançar algo, servindo-se dos outros para ‘resolver a sua angústia de querer possuir, querer ser, querer valer’ que a sua dupla personalidade lhe causava.
Enquanto isso, Carlos, seu marido, que ‘passava por santo ou, pelo menos, pelo cornudo mais simpático e prestável que era possível conceber’, ia vivendo os restos de uma vida inóspita e infeliz.
A nós, leitores e espectadores, cabe-nos a tarefa de encontrarmos o fio condutor desta história, e ir de o ir ligando às pontas soltas que nos surgem pelo caminho. Dando dois passos em frente e um atrás, seguimos a um ritmo lento, na ânsia de tudo assimilarmos, atribuindo parentescos, firmando uma rede de relações proximais que são a chave de todo o enigma narrativo e que nos reenviam para um tempo ancestral, onde o abismo do passado molda comportamentos. Temos, pois, Agustina Bessa-Luís e Manoel de Oliveira numa simbiose programada e perfeita”.
É no cenário vinhateiro do Douro, entre o Romesal (Aris, Godim), onde se localiza a casa de Paulino Cardeano, pai de Ema, o Vale Abraão (Quinta e Paço de Monsul), onde se localiza a casa de Carlos Paiva, marido de Ema, o Vale Abraão (hoje Six Senses) propriamente dito, e no romance e filme, a Quinta e Casa da Caverneira, do casal Semblano, da Casa das Jacas (Quinta da Pacheca), de Pedro Lumiares e Simona e o Vesúvio, por vezes apresentados ao leitor com um tom marcadamente disfórico, claustrofóbico e provinciano, que as personagens se movimentam.
II
Os principais cenários do filme
Apresentemos estes lugares-cenário:
A.- Romesal
Romesal é um lugar fictício na obra de Agustina, que não o lugar de Romesal da freguesia de Loureiro, concelho do Peso da Régua. Já para Manoel de Oliveira, no seu filme, o Romesal é Aris, lugar da freguesia de Godim, Peso da Régua. Vejamos o entorno do Romesal do filme de Manoel de Oliveira.
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Nem deste Romesal, nem do ficcionada de Agustina, não se avista o rio Douro, nem tão pouco no aqui tratado Vale de Abraão. Para se o avistar, há que andar uma boa centena de metros por este caminho.
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A casa do filme de Manoel de Oliveira, do Paulino Cardeano, é esta,
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vista, ao longe, do já aludido caminho vicinal e vista de perto,
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com este portão de entrada – que só em momentos solenes se abria - e
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esta perspetiva lateral.
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Do lado esquerdo da casa do Paulino Cardeano, a célebre varanda, onde Ema se exibia, provocando, com a sua beleza «provocatória», para quem ali passava, acidentes de viação no local.
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Do lado direito, contíguo a um caminho público ou rampa, ficava uma casa pertença de Agustina Bessa-Luís, hoje já vendida a um empreiteiro da zona. Não sabemos se a contiguidade ou vizinhança da casa de Agustina Bessa-Luís ditou a escolha fílmica da casa do Paulino Cardeano por parte de Manoel de Oliveira.
B.- Solar do Viso
Estavamos a acabar este capítulo do post e, inopinadamente, lembrámo-nos que um dos cenários do filme não estava aqui a ser comtemplado. A razão de tal esquecimento também se justificava - apenas aparece uma vez no filme, ao longo daquelas sequencias todas de cenários e «ações».
Assim, numa tarde chuvosa deste mês de novembro porque passamos, dirigimo-nos até aquele local para obtermos algumas imagens para constarem «neste escrito» para memória futura.
É a Casa das irmãs Melos, que passavam o inverno em Cascais e que, no verão, vinham dar «saltadela» ao seu solar - o do Viso - ao Douro. Foi naquele salão nobre, enorme, com duas figuras estáticas, sentadas, numa das pontas do salão, amedrontando a adolescente Ema, que se apresentava a uma das famílias da sociedade nobre/burguesa duriense.
Temos gratas recordações desta Casa, palco de um evento importante da nossa vida. E a ideia que tínhamos do salão, onde Ema foi recebida pelas irmãs Melos, era mais acolhedora, como esta,
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e não o frio salão, que o filme nos mostra, e em que Ema foi recebida, embora ricamente ornado com belos azulejos, bons móveis e belas tapeçarias.
Trata-se do atual Solar da Rede, sito no concelho de Mesão Frio, em pleno Baixo Corgo.
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De uma casa de família e depois transformada numa Pousada de luxo, de alto gabarito, possuidora de um importante brasão na sua frontaria principal,
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encerra em 2012.
Hoje em dia, encontra-se praticamente abandonada, sem «inquilinos», quer de natureza familiar ou turística.
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Repare-se no tanque na fachada principal, com bidons de água e barricas com azeitonas, recém-apanhadas, à face de uma construção em bonito estilo barroco, como mostra os pilares do portão da entrada para a Casa e seu logradouro,
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bem assim o pormenor de um dos seus pilares, trabalhado primorosamente.
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Do lagradouro da Casa, à nossa esquerda, vislumbra-se este magnífico panorâma, tendo como pano de fundo o rio Douro.
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E, do seu lado direito, idêntica e maravilhosa paisagem,
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com o omnipresente Douro e os seus infindáveis jardins em socalcos, repletos de vinhedos.
C.- Vale Abraão
O Vale Abraão, casa de Carlos Paiva, o marido de Ema, situa-se do outro lado do rio, já no concelho de Lamego, na designada Quinta e Paço de Monsul.
Fomos visitar o lugar, entrando por um portal não muito largo, mas que dá bem acesso a uma viatura, deslocando-nos por entre um bonito vinhedo, em que não faltam ruas com nomes próprios.
Vejamos uma perspetiva do nosso percurso para chegarmos à casa Vale Abraão.
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A meio da subida para a casa, uma alameda de palmeiras.
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Vejamo-la, uma vez percorrida, já no cimo.
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Reparemos mais em pormenor.
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Observemos, dos arredores da casa de Carlos Paiva – o Paço de Monsul – o entorno, com os socalcos de vinhedo, as aldeias e as casas à sua volta.
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(Perspetiva I)
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(Perspetiva II - com a silhueta dos prédios mais altos da cidade da Régua por detrás e a encosta de Loureiro)
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(Perspetiva III - território próximo, de Lamego, e mais longínquo, da Régua, separados pelo rio Douro, que não se vê)
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(Perspetiva IV)
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(Perspetiva V)
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(Perspetiva VI – confinante com o Paço de Monsul, a Casa da Azenha)
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(Perspetiva VII)
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(Perspetiva VIII – já dentro da Quinta e da Casa de Monsul ou , no filme, Vale Abraão, casa de Carlos)
Ao atravessarmos o portão que dá acesso ao logradouro do Paço, à nossa esquerda, a capela, que foi palco do casamento de Carlos Paiva e Ema.
![20.- Paço de Monsul (28) 20.- Paço de Monsul (28)]()
A caseira, que nos facultou a entrada ao logradouro da casa, teve a amabilidade de nos mostrar o interior desta seiscentista capela.
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(Perspetiva I)
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(Perspetiva II)
Mal entrámos ao logradouro, o que mais se destaca é este tanque.
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Num outro, de cimento e ao lado, tanto a Ritinha lavou!
E no tanque, este antigo fontenário.
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Veja-se agora o logradouro, do lado oposto à entrada,
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o portal de acesso para o laranjal e horta,
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um aspeto do lado lateral da casa
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e outro das traseiras.
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E, finalmente, o exterior da casa.
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D.- A Quinta e Casa da Caverneira, dos Semblamos - hoje Six Senses – o antigo Vale Abraão
A antiga Casa e Quinta «Vale Abraão», agora uma unidade hoteleira com renome internacional: de Casa e Quinta Vale Abraão, a Aquanatura e, agora, Six Senses, era dos Semblamos, onde imperava a figura de Maria (Loreto) Semblano.
São poucas as «ações» do filme que ali se desenrolaram, mesmo assim, apresentam-se algumas perspetivas exteriores desta hoje unidade hoteleira de requinte e renome.
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(Perspetiva I)
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(Perspetiva II)
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(Perspetiva III)
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(Perspetiva IV – vista do cimo da propriedade, tendo como pano de fundo o rio Douro e a cidade da Régua)
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(Perspetiva V – tendo à frente o rio Douro e, na margem direita, a linha de Caminho de Ferro do Douro)
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(Perspetiva VI – vista da margem direita, de quem desce Cederma, vindo de Fontelas)
E.- Casa das Jacas
É a casa de Pedro Lumiares e de Simona, onde acontece o evento que dá pelo nome de Baile das Jacas.
O cenário passa-se, nada mais nada menos do que na atual Casa e Quinta da Pacheca. Começamos por vê-la à noite, com o seu logradouro servindo de estacionamento para carros da época 90 do século passado.
![35a.- 2019.- Anos Angélica (Quinta da Pacheca) (21) 35a.- 2019.- Anos Angélica (Quinta da Pacheca) (21)]()
De dia, é assim.
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(Perspetiva I)
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(Perspetiva II)
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(Um pormenor de uma janela da casa)
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(Uma outra dependência)
Foi nesta casa, como dependência principal que a maior parte dos diálogos («filosóficos» e existenciais) entre Lumiares e Ema se deram.
Por uma questão de curiosidade – passe embora a propaganda – mostra-se perspetivas da atual receção.
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Do restaurante,
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um pormenor das escadas de acesso ao restaurante,
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o hall de acesso ao restaurante e à e zona de alojamento,
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com mais um pormenor, no fim do seu corredor.
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Existem hoje, como zona de alojamento, no vinhedo contíguo à casa, as célebres pipas.
![44a.- 2019.- Anos Angélica (Quinta da Pacheca) (3) 44a.- 2019.- Anos Angélica (Quinta da Pacheca) (3)]()
E, como se trata de uma quinta, onde se produz vinho, do fino e do consumo, não pode, naturalmente, faltar o armazém com os seu tonéis.
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Numa época em que o turismo impera por toda a região do Alto Douro Vinhateiro, este mesmo armazém é palco de eventos, essencialmente de natureza gastronómica.
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F.- Vesúvio
Apresentemos agora um dos lugares mais emblemáticos do Douro, da ficção agostiniana e do filme.
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Por ser o palco, lugar da maior parte dos encontros amorosos de Ema, primeiro, com Fernando Osório, dono do Vesúvio
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e tetraneto da Senhora,
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(Fonte:- https://de.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nia_Ferreira)
depois de Fortunato, sobrinho de Caires, o mordomo, o verdadeiro gestor da Casa,
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a quem Ema não lhe era indiferente, tornando-se-lhe objeto de cobiça sensual e erótica por todas as dependências da Casa por onde passava e estava.
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Em prolongada projeção, desde o lado da Senhora da Ribeira, do outro lado do rio,
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a silhueta da Casa, com a sua capela,
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Impõem-se imponentemente na paisagem,
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qual vulcão, fértil de uvas e despertador dos mais profundos sentimentos e prazeres.
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Mas o Vesúvio, com o seu rio de águas profundas,
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ao mesmo tempo que representa a natureza e os sentimentos humanos no seu estado mais puro, foi, por sua vez, o palco final de um ser humano à procura de si mesmo, e que nunca se encontrou.
Foi o seu ocaso.
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III
A busca do absoluto no filme Vale Abraão, de Manoel de Oliveira
Diz-nos a Mestre Célia Maria Sousa Lopes na sua dissertação «O Bovarismo ou a busca do absoluto no filme Vale Abraão de Manoel de Oliveira», em dezembro de 2010:
“A busca do absoluto em Vale Abraão não é senão o ‘estado de alma em balouço’ com que a própria Ema se define. Se o bovarismo se caracteriza pelo desejo de se querer ser outra coisa que não se é e se as Emmas Bovary, nas adaptações em análise, sonhavam com amor e beleza, meios de aceder a uma plenitude, esta Ema tem, desde logo, esse acesso vedado. Primeiro, marcada pelo defeito físico que vai corromper a sua beleza e vai condicionar todo o seu comportamento; depois, o desejo de amor confundido com a multiplicação de amantes. Esse desejo de se identificar com um outro, característica universal, é inerente à condição humana. O bovarismo não é senão o mal da civilização, a fragmentação do ser humano, a sua permanente insatisfação em busca da felicidade infinita, que o faz balançar constantemente entre o que é e o que quer ser, entre realidade e sonho. Impossibilitada de atingir o absoluto, pela beleza e pelo amor, Ema é uma mulher repleta de contradições, numa sociedade conservadora e decadente, admiradora do ‘desordenado e atrevido’. No seu ‘estado de alma em balouço’ está sempre pronta para voar mais alto, como indicam os planos da mosca e da estátua de Canova, dois objetos com asas que são explícitos do seu desejo de voar. Para Ema, ‘o desejo de se querer ser outra coisa’ será o desejo de querer ser o outro sexo, recusando a submissão à sociedade patriarcal, assumindo o comportamento de uma mulher mais liberal, por vezes de mulher-fatal e gradualmente adotando um comportamento masculinizado, o que a aproxima de um ser andrógino.(…) Ema é marcada desde a infância por uma deformidade, uma mutilação, que a faz balançar, primeiro fisicamente, transformando-se depois em desequilíbrio e fragmentação mais de pendor psicológico, confrontada numa divisão entre ser e parecer. Quando ela define a rosa ao vento, que é e deixa de ser, para ser mais qualquer coisa, a rosa não consegue ser esse terceiro elemento, essa mais qualquer coisa e, tal como a rosa, Ema também não consegue, por isso só lhe resta a morte, constituindo esta definição da rosa a síntese do filme:
Tão breve imagem da flor na sua haste, tocada pelo vento, e prestes a deixar cair as suas folhas. Porquê a rosa? Se em contacto com o vento ela deixa de ser rosa. Mas no balouçar já é, e logo deixa de o ser.
Naquele contexto social, ‘ancorada’ no Vale Abraão – enigmático e repleto de secretismos e de cumplicidades - incompreendida e inadaptada, Ema vai assumir uma postura teatral, vai dissimular. À medida que se vai movimentando nos lugares das casas labirínticas e algo sinistras e se vai aproximando do universo masculino, Ema vai ganhando maior determinação. A distância e a desconfiança com que é olhada e com que olha os que a rodeiam são o resultado de uma beleza que atrai mas marginaliza, é perturbadora e é uma ameaça. O seu comportamento de «Bovarinha» e de figura andrógina contribuem para acentuar a sua marginalização e isolamento. Embora se verifique uma maior hostilidade no seu relacionamento com as mulheres, é com alguns elementos do universo feminino que Ema procura a identificação, nomeadamente com a Senhora do Vesúvio, com a Ritinha e com a própria mãe, mas serão modelos inalcançáveis. Os homens são demasiado fugazes, desaparecem rapidamente; as mulheres permanecem, até as ausentes, pelos retratos. E, de facto, no final são as mulheres que saem vitoriosas, que atingem o absoluto, cada uma à sua maneira: Maria Semblano pela dissimulação constante, pelo jogo social, o que a leva a dizer ‘ninguém imita melhor do que eu uma bela vida’; Ritinha, pela servidão, pela entrega total ao outro, para servir o outro e Ema pela morte. Na conceção conservadora da mulher – tanto da escritora como do cineasta – Ema só poderia ter este caminho: não quer ser nem boa filha, nem boa dona de casa, nem boa esposa, nem boa mãe, então só pode ser uma ‘vadia’ e ter um fim trágico. Para o Lumiares de Agustina Bessa-Luís: ‘Ema era uma pessoa comum em busca de situações incomuns, o que podia produzir uma bela tragédia’. A escritora reforça ainda a pouca importância de Ema, o seu vazio: ‘Condenada pela sua insignificância. Não era só pobretona, aleijada, mal vestida mas era sobretudo marcada pela insuficiência do desejo’.
Ritinha surge, assim, como uma figura chave no filme, pois ela é o absoluto. Ela é a mulher perfeita que sabe tudo como um deus, ‘o conhecimento entra-lhe pelos olhos’. Todas são personagens insatisfeitas e, por isso, em movimento (movimento hegeliano), com exceção de Ritinha, que é deus e sabe tudo, é o estado perfeito, é capaz de negar-se, optando pela virgindade por uma questão quase metafísica e não moral. Ela não precisa de ninguém, transcende isso tudo, não precisa do encontro com o homem, com a outra metade, para se realizar. A importância de Ritinha explica o facto de Manoel de Oliveira a ter poupado à morte, sobrevive à sua patroa, o que não se verifica na história de Agustina. Em oposição à personagem Ritinha, temos Narciso, o jovem Semblano, apaixonado por si próprio, tal como sugere o seu nome. Caires, também uma personagem em movimento na passagem de homem pobre para homem rico, na tentativa vã de conquistar Ema, representa o lado negativo destas personagens, pois ajoelha-se perante ela. Caires transforma-se no oposto de tudo isto. (…)
A procura do belo, do novo, como meio de acesso ao absoluto. Pela beleza da obra que cria, o artista aproxima-se de Deus, atinge uma transcendência. No entanto, Oliveira ironiza com a escrita de Maria Semblano. Quando esta está em confidências com Carlos e lhe revela que ‘escrever é dar expressão à vida e à sociedade em que vivemos’, o racord utilizado para passar para a cena seguinte - as confidências de Ema a Lumiares - é um plano aproximado do livro Le poète assassiné, de Appollinaire, o que deixa transparecer uma crítica à promissora escritora. A falta de identidade fixa contribui para uma identidade andrógina. A ambiguidade e a intromissão entre os géneros, observáveis desde a génese com Flaubert, são acentuadas pela reescrita de Agustina Bessa-Luís e pela transposição de Manoel de Oliveira. O cineasta sublinha a temática da androginia em diálogos explícitos sobre o assunto e nas caraterísticas e atitudes das personagens. Há também um conjunto de elementos ambivalentes, que remetem para uma dualidade e até uma triplicidade e que reforçam as marcas andróginas deste contexto.
Sendo os andróginos identificados como filhos da Lua, Ema é um ser lunar por excelência, cambaleando, ao ritmo dos “Clair de Lune”. E este balouçar é a marca da sua imperfeição, da sua insatisfação e dualidade: é e não é; quer e não quer, hesita entre o ser e o parecer (…) O seu final deixa transparecer que a libertação dos costumes não é saída e que, naquele contexto social, os sentimentos se identificam mais com mecanismos de poder e influências sociais. O amor era um tráfico e quando Ema é tratada como mercadoria pelo mordomo Caires que, após enriquecer no estrangeiro, a quer comprar, Ema descobre que não vai conseguir escapar aos códigos sociais vigentes, que a única saída para se libertar daquele contexto opressor é a morte. Na sua crise de identidade, Ema procura os mesmos gestos de Ritinha, quando lava o chão no Vesúvio, pretendendo talvez atingir o mesmo estado da sua criada – o absoluto – mas é um absoluto que implica entrega total ao outro, que implica a anulação, a submissão e Ema era uma personagem demasiado venerada, demasiado central para se submeter a essa anulação. A constante recusa de aproximação à Bovary, poderia eventualmente ter permitido a Ema uma outra saída para a sua condição, como sugere Jean Baptiste Renault:
À sa façon, le film reflète ainsi le questionnement d‟Ema, cherche comme elle à établir une filiation critique : Val Abraham exprimerait cette lutte entre la répétition d‟un drame – la fatalité d‟une condition, le drame d‟Ema qui peut toujours se rejouer – et la possibilité d‟une issue, le rêve d‟une émancipation – réécrire sa vie.
Ema conhecia o drama da Bovary, não se identificava com ele, mas fatalmente terminou como ela. No entanto, há uma diferença considerável nos dois finais. Ema Paiva não comete suicídio num gesto desesperado e tresloucado. Há nela uma tranquilidade perturbadora, de tão encantadora, no travelling final qua